Esporte de alta performance e disputas acirradas, o automobilismo consegue a façanha de colocar como rivais pais e filhos. Saber lidar com essa relação com diplomacia e amor é uma arte que os profissionais do setor precisam dominar quando a família invade as pistas.

 

Referências no mundo do esporte a motor em todo o Brasil, Andreas e Rodolpho Mattheis, pai e filho, se enfrentam em equipes concorrentes na Stock Car desde 2012. Filho de piloto, Andreas afirma que essa paixão só pode ter uma influência genética. “É uma interface unilateral, eu nunca gostei de outra coisa, estou há mais de 50 anos no automobilismo, meu pai corria, eu sempre quis correr e agora tem o Rodolpho”, afirma.

 

 

Quando Rodolpho voltou do intercâmbio nos Estados Unidos, aos 20 anos, ele surpreendeu os pais dizendo que queria ser piloto de rali de moto. “Aceitamos, mas sempre foi uma preocupação muito grande, porque na moto você fica muito exposto. Então, quando ele disse que queria trabalhar comigo, eu vi a chance e falei: aqui tem que ter compromisso, desenvolver a autonomia, e parar com as corridas de moto.”

 

Chefe da equipe Ipiranga Racing, Andreas viu o ingresso do filho no automobilismo como um alento. Nem poderia ser diferente: em 10 anos como piloto de rali, Rodolpho teve 28 fraturas.  O filho lembra que em uma das competições, que iniciava na Argentina e terminava no Chile, atropelou um animal que invadiu a estrada, quebrou a coluna e ficou mais de 10 dias no hospital. Ao mesmo tempo em que soube da notícia do acidente, o pai entrava com a equipe na pista em mais uma etapa da Stock. “Eu fico só pensando a preocupação dele; a pior coisa que eu posso imaginar hoje é me machucar; quando se é novo é diferente, a gente é obstinado pelo sonho, imaturo. Hoje posso dizer que evoluí muito, aprendi, e isso eu herdei do pai, o foco, a obstinação, a disciplina”, afirma o filho, que comanda a Blau Motorsport.

 

Discussões e aprendizado

 

Nas pistas e nos bastidores da Stock, impera o profissionalismo. Demorou, afirma Andreas, mas Rodolpho conseguiu atingir a maturidade e separar a relação. Ao confessar que nunca criou expectativas de que o filho seguisse a mesma carreira, sempre focado em incentivar a descoberta da própria identidade, Andreas abre aquele sorriso orgulhoso para dizer que Rodolpho tem um trabalho independente. “Procuro ensinar tudo o que sei, mas nas pistas somos concorrentes de fato, porém sem gerar animosidades. Os pilotos eventualmente podem até ter alguma rusga, mas não deixamos respingar na nossa relação.”

 

O trabalho de se posicionar como profissional, e não como filho, é analisado por Rodolpho. “Quando o pai começou a expansão e assumi minha própria equipe foi muito desafiador para nós dois, porque o pai é duro, tem aquela filosofia de que não pode facilitar para os filhos, senão eles não crescem, e eu demorei para compreender, tinha opiniões equivocadas.” O aprendizado foi se dando a partir dos erros, respeitando e entendendo. Hoje, complementa, cada um faz a sua própria estratégia. “Somos altamente competitivos. Um quer ganhar do outro.”

 

Ao lembrar de discussões momentâneas, quando o sangue literalmente ferve, Andreas e Rodolpho compartilham da sensação de que não saberiam viver de outro modo, mas que o esporte exige demais. Das memórias que Andreas traz da vida no automobilismo, uma delas é o fato de ter estado muito tempo longe de casa quando os filhos eram pequenos. São quatro – dois homens e duas mulheres.

 

“A corrida nos rouba muito da vida familiar, para me estabelecer eu trabalhei muito, 24 horas por dia, perdi o convívio.” O mesmo sentimento é compartilhado por Rodolpho, que tem um casal de filhos ainda pequenos. De malas prontas para disputar o Rally dos Sertões com a própria equipe, a R. Mattheis Motorsport, quando deu a entrevista para nosso blog – mas sem pilotar – ele lamentou: “Meus filhos estão super tristes, que não vou passar o Dia dos Pais com eles.”

 

A ausência, no entanto, é superada pela felicidade em poder trabalhar com o que ama, tendo muita gratidão pelas oportunidades que Andreas proporcionou: “Meu sonho sempre foi trabalhar com o esporte, e dar continuidade é muito especial, sou muito grato ao pai”. Comprovando que pai é sempre pai, e que basta mudar de posição para também mudar o ponto de vista, ele adianta: “Procuro não influenciar, mas eu ficaria muito aflito se eles (os filhos) quisessem ser pilotos de rali, por exemplo. É muito perigoso”. Ao que o pai e avô complementa: “A gente tem que ter o cuidado de não ser o cara chato, o pai chato, e eu fico muito honrado de ver o Rodolpho seguir os meus passos na carreira que ele mesmo escolheu”.

 

 

 

 

Bom mesmo era comemorar no autódromo

 

O mesmo sentimento de orgulho dos Mattheis é exaltado pelo mecânico da equipe RCM Motorsports, Ricardo Camargo, mais conhecido como Pé. Se filho de peixe, peixinho é, ele já encontra um técnico à altura para disputar as pistas da Stock - o filho, Christian Ricardo, segundo mecânico na Pole Motorsport. Adversários no principal campeonato de automobilismo do país, os dois só têm uma coisa a lamentar quando pensam neste domingo, 13 de agosto – que no Dia dos Pais não tem etapa de Stock Car. Afinal, seria tão bom comemorar pais e filhos juntos no autódromo.

 

“O Christian é minha metade, ele sabe quando não estou bem, quando estou feliz, e no autódromo a gente é igual. Nem falamos de corrida, mas nos abraçamos, nos beijamos, somos pai e filho”, afirma Ricardo. No setor desde 1990, Ricardo conta que criou o filho no então Autódromo de Curitiba. Tanto que, aos 21 anos, Christian já tem destino certo. “Para mim sempre foi um sonho trabalhar com carro, eu acompanhava o pai e lembro da emoção de estar no grid, de ver o resultado nas pistas, estou muito feliz.”

 

A amizade entre pai e filho, a serviço de equipes concorrentes, já chegou a ser vista com maus olhos. “A concorrência na Stock é grande e quando o Christian entrou em uma equipe diferente e nos viam conversando, o pessoal ficava desconfiando, querendo saber sobre o que falamos. Mas nossas conversas são limitadas. A gente fala de tudo, mas não fala de carro; no autódromo a gente nem se vê, de tanta correria”, explica Ricardo.

 

 

A disputa fez com que até a mãe entrasse na jogada. “Quando eu comecei, a mãe disse: ah, meu Deus, mais um, e agora, para quem vou torcer?”, brinca Christian. O afeto entre os dois mecânicos é compartilhado. Responsável pelo abastecimento no pit stop, Ricardo comemorou nesta temporada no Velocittà a vitória do piloto da equipe, Ricardo Zonta. “Foi muito legal, porque é também uma responsabilidade minha e quando eu vi, o Christian estava ali, para me dar aquele abraço gostoso, é um parceiro sem igual.” “Fiquei muito feliz, corri para dar um abraço nele, não tem sensação melhor do que vencer e ele merecia”, comemora o filho.

 

A corrida em busca do pai também aconteceu em Santa Cruz do Sul, em 2022, ainda que com o sentimento oposto, de pura apreensão, quando um engavetamento nos boxes feriu três mecânicos. “Eu quase morri, um dos mecânicos tinha o mesmo macacão que o pai, foi uma correria, eu precisava saber se ele estava bem. Porque existe uma coisa no automobilismo que é muito forte: tem a rivalidade, mas ali também tem um pai, um irmão, um filho, gente que sustenta a própria casa, aflora um sentimento muito grande.”

 

Amigão do pai, Christian diz entender muito do que ele falava quando chegava em casa. “Hoje eu vejo que às vezes eu queria brincar e o pai dizia que estava cansado; porque não é só o momento da corrida, a gente chega antes, monta box, prepara carros, equipes, deixa tudo organizado, limpinho, para que a torcida e os patrocinadores vejam, é desgastante, mas é muito bom.” Do aprendizado com Ricardo, o filho conta que o principal é ter atenção em tudo, estar plenamente focado. “Tudo que eu aprendi, essa vontade que tenho de ter mais conhecimento, veio dele. Ele sempre me instruiu pelo exemplo, nunca deixou de trabalhar e de estar com a família.”

 

Se neste domingo ambos não estarão trabalhando, uma coisa é certa. Quem ganha o presente de Dia os Pais é a mãe, Marli, que vai ter os dois garotos em casa, em um churrasco de família daqueles.

 

 

 

 

Aos pais do automobilismo, do setor automotivo e a todos os pais, um Feliz Dia!